sábado, 23 de julho de 2011

SEXO DOS ANJOS

Santiago, conhecido pescador no literal cearense, deixa a terra rumo ao mar, ao sabor da brisa da madrugada. Na sua rotina de pesca, passa, por vezes, até 10 dias em alto mar em sua jangada de velas. Desta vez, Santiago teve uma experiência surpreendente. Já no oitavo dia em alto mar, onde céu e água, muitas vezes, se confundem, vê anoitecer sem que o tempo se torne de todo escuro. Há uma luminosidade sem explicação e uma sensação estranha em torno de si.

Experiente em coisas do mar e do seu ofício de pescador, Santiago jamais vira algo parecido. Dizem que pescador conta muitas histórias fantasiosas, digamos assim. É nisto que Santiago pensa enquanto tenta entender o que se passa. Algumas das histórias que circulam na vila em que mora são confirmadas pelo próprio Santiago, quer dizer, confirmadas no que diz respeito às possibilidades de ocorrerem, porque, de verdade, nunca viu nada de inexplicável: um peixe maior, desses que só se deixam pescar depois de muita luta; um mergulho em águas povoadas de tubarões ou arraias; uma ou outra tempestade, dessas que ameaçam virar a embarcação, enfim, estas coisas com que qualquer pescador lida, à medida que vai experimentando a vida em mar aberto, em busca do pescado para o sustento da família.

Sereia, sereia mesmo, nunca viu. Em raras situações, acordou no meio da noite como se ouvisse um canto, uma melodia de beleza inigualável, mas, logo ao acordar, somente o silêncio concreto, rompido com o estalar do corpo da jangada contra a superfície do mar é testemunha, nada mais do que isto.

Enquanto pensa sobre tais coisas, em busca de compreender o que ocorre, Santiago vê que, saída da claridade, se materializa em sua frente uma mulher belíssima. Tomaria por uma santa, não fosse por um detalhe, está completamente despida. Sorri para ele, diz o seu nome como se o conhecesse. O pescador olha em torno de si e não acredita, diz consigo que deve estar sonhando. Mas tem consciência de que mal anoitecera e não é seu hábito dormir tão cedo, quando está na pesca.

A mulher se aproxima e a claridade esmaece à medida que ela fica mais próxima. Santiago, paralisado, sente em seu corpo o abraço carinhoso da mulher. Eflúvios aromáticos perfumam o ambiente com uma fragrância jamais sentida em qualquer lugar. Enormes melros saltam em torno da jangada e o mar se agita tanto que a vela, em instantes, vai de um lado ao outro como se a embarcação fosse virar. O pescador se agita e usa todas as energias do seu corpo para acompanhar a fúria marítima. Num descontrole final, levita, levita, levita.

Um forte calor açoita a pele, e as pálpebras pesam toneladas. Santiago abre, enfim, os olhos como se acordasse de um sono de anos. O mar apenas estremece a jangada numa leve calmaria. O pescador tem a boca seca e o corpo exausto. Mais do que tudo, Santiago surpreende-se com uma coisa impensável, está completamente nu. Sua roupa espalhada no piso da jangada, cada peça num lugar diferente. Há muito custo, ergue-se e vai se vestindo devagarzinho, sem qualquer esforço, para entender o que aconteceu durante a noite. Não sente medo ou estranhamento, apenas uma sensação de felicidade extrema.

Enquanto toma pé da situação, decide retornar para casa. O pescado está do modo como deixara no dia anterior. Não é muita coisa, para os oito dias que pescara, mas também não é pouco. Dá para voltar com alimento e ainda uma sobra para a venda. Levanta vela e direciona a jangada em direção à terra. O sol já se põe, quando avista a faixa litorânea, o vento sopra leve empurrando a jangada.

Santiago observa que muita gente o aguarda, isto não é comum. Só quando há jangadas sumidas no mar, o povo da vila se posta à beira da praia, daquele modo. Pipocam foguetes, palmas, e sorrisos, para o receber em seu retorno para casa.

2 comentários:

  1. Muito bom parabéns. Achei seu blog procurando uma imagem para um texto que escrevi. Coloquei as palavras chaves " jangada em alto mar" e aqui está...um belo texto e uma bela imagem.
    Meu blog é: http://buscainternapaz.blogspot.com.br/

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  2. Daniel, grato por sua leitura e, sobretudo, pelo seu comentário. Um comentário de um leitor, é sempre um prazer para um escritor. Este é um dos ganhos da Internet: temos a oportunidade de conhecer as impressões de leitura sobre o que escrevemos postadas pelos leitores. Grande abraço. Laerte Magalhães

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