domingo, 31 de julho de 2011

SOBRAS DO SER SÓ

Regina, de uns tempos para cá, deu para prestar atenção a certas coisas que parecem comuns, mas que, no entanto, passaram a significar certo excesso para ela. Começou a pensar nisto, quando, certa vez, retornando do trabalho para casa, ligou o som do carro e deixou-se ouvir um blues de B.B. King. Primeiro lhe veio uma emoção motivada por uma espécie de gozo, de prazer extremo. Daí, sentiu a necessidade de dividir aquele momento com alguém, mas percebeu que estava sozinha em seu carro.

Noutro momento, sentou em sua cama, pegou um livro de poemas e, ao ler os primeiros versos, novamente, sentiu que todo aquele momento de grande felicidade poderia ser partilhado. Não é a sua cama ou o seu quarto, relativamente grandes, que lhe provocam o sentimento de solidão, não. É a sensação de excesso que sente quando tem acesso a algo que gosta muito. E a certeza de que outras pessoas poderiam estar ali e usufruir também do mesmo momento e do mesmo prazer. Desde então, outras tantas vezes vem se repetindo a mesma sensação.

São grandezas de outra ordem. Um bom filme, um vinho especial, uma boa comida, uma peça de teatro. Enfim, coisas que, em grande medida, nos sentimos melhor quando acessamos em companhia de alguém. Melhor ainda, se esta companhia for alguém a quem devotamos carinho.

Parece uma abstração, mas não é. Pelo contrário, é bastante concreto. Regina fica a se perguntar se isto ocorre apenas com ela. Tem vontade de perguntar a suas colegas de trabalho se elas também experimentam tal sentimento. Mas, nas várias vezes em que teve o ímpeto de falar sobre o assunto, recuou. Tem medo de que alguém a considere maluca. Fica, às vezes, a observar uma de suas amigas a executar tarefas rotineiras para tentar perceber se deixa revelar algo que a interesse ou que lhe dê ao menos a chance de tocar no assunto. Mas nunca percebeu qualquer abertura neste sentido.

Ultimamente, tem evitado sair à noite, para não ter que, na sua refeição, parecer que belo peixe ao molho de alcaparras, tocado a vinho branco, possa trazer-lhe esta sensação de que, apesar de ser servido apenas o prato individual, aquele sabor, aquela situação, é demais para uma única pessoa. No entanto, não consegue se livrar completamente. Nem mesmo a presença do boneco Hermano em sua casa, com quem conversa durante as refeições ou quando está lavando louças ou roupas, tem evitado, de todo, sentir a presença de algum excesso.

Ao entrar em seu apartamento, para, diante da porta, olha-o por inteiro, e os lugares que sua vista não alcança lhe vêm à memória resgatar os detalhes. Claro, não é nenhum sofrimento isto que sente, pelo contrário, é sempre um prazer relativamente significativo poder consumir coisas bem escolhidas. O que a incomoda é que isto poderia se tornar melhor se fosse compartilhado. Mas até mesmo a repetição da mesma cena pode indicar, ou indiciar algo que não compreende.

Talvez por conta deste seu sentimento, por vezes lhe bate alguma dúvida que parece estranha: Seria isto alguma prova psíquica de que fosse ela uma pessoa egoísta? Na verdade, a situação que se revela parece até ser contrária a isto. É justamente o desejo de dividir com alguém seus momentos e seus lugares de prazer que a deixa desconfortável. Mas, sabe-se lá, as explicações simples nunca satisfazem completamente suas curiosidades.

Num momento desses, estava simplesmente meditando, à noite, a respeito de um passeio de barco que fizera naquela manhã. Pegou uma barca, destas que fazem a travessia Rio/Niterói, numa destas estações da Praça XV. Postou-se na parte superior em posição de observar a paisagem de que se distanciava e, ao mesmo tempo, tentar perceber também outras visadas: a ponte que liga uma cidade a outra como outra perspectiva de travessia, o deslocamento entre um ponto e outro, a brisa e a passagem que se pode sentir enquanto a barca se desloca. Não havia intenção de ir a lugar algum, apenas o desejo de experimentar esta transitoriedade. Foi e retornou, com o objetivo de observar o mesmo movimento, a partir de pontos diferentes. Uma experiência e tanto. Mas, agora, ali, pensando sobre tudo lhe veio uma felicidade tão grande e, no entanto, não havia ninguém por perto com quem pudesse dividir. Deitou e chorou até adormecer.

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