sábado, 13 de agosto de 2011

TRANSEUNTES


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Caras fechadas, sorridentes, indiferentes, desconhecidas. Desloco-me em meio a tanta gente e tento observar o que dizem, para mim, as pessoas pelas quais passo no ir e vir de sempre. Evidente que, ao olhar para um lado, deixo de ver quem passa pelo outro. Há, ainda, portanto, as caras perdidas. Lógico, perdidas, naquele momento, pode ser que, noutro, as recupere, mas nunca terei certeza se são as mesmas ou outras.
Não preciso falar nas pessoas que reconheço que me reconhecem, algumas das quais, às vezes, me dirigem a palavra. Ou, pelo contrário, eu as interpelo. Ou, de outro modo, nos interpelamos, mutuamente. Estas são caras, são raras, mas não me servem para o que eu desejo tratar aqui. De algum modo, falo nelas, noutros momentos, noutros textos. Por enquanto, basta.
Quero falar das pessoas que estão em movimento e, apesar de encontrá-las no dia-a-dia, nos deslocamentos da lida, não nos conhecemos. Não nos cumprimentamos, não nos dizemos nada, além do que pronunciamos em silêncio. Dos apelos que se lançam no entre espaço das indiferenças. Bom, indiferença, nem sempre. Por vezes, a semelhança com alguém que conhecemos nos faz acenar, sorrir, olhar para alguém desconhecido. Só depois, e com certo constrangimento, nos recolhemos a nossa mudez de sempre. Talvez seja tarde, aquela pessoa, por certo, nos marca uma lembrança e já não nos será indiferente no próximo encontro.
Outras vezes, a exuberância de uma beleza ou de uma feiura nos chama a atenção e ficamos a olhar por longo tempo. Melhor fingir que não olha. Melhor não deixar o queixo cair, de modo que também chame a atenção dos outros, ou da própria pessoa observada. Mas, mesmo assim, é só um olhar, quando muito, um murmúrio incontido. Não passa disto. Não deve passar.
Está certo, disse antes que observo as pessoas pelas quais passo no ir e vir dos dias. É isto, observo para me dar conta que somos só transeuntes de uma urbanidade anestesiada, de uma coletividade de sonâmbulos. É só ficar observando, para nos darmos conta que algumas cenas se repetem para confirmar este letargo posto à vista: uma buzina de automóvel agride o sol silente que escora o dia, de pé à frente do veículo, alguém assustado, atravessava a rua, apenas. Um encontrão, esbarram-se as pessoas na calçada. Ainda bem que têm pressa, vão-se adiante a olhar para trás e a xingarem-se, sem tempo, para quaisquer pedidos de desculpa. Quem sabe, um convite para um chope mais tarde, uma conversa de entendimento. Uma amizade futura, talvez.
Um corpo caído atravessa a calçada, algumas pessoas o contornam sem ao menos olhar. Outras olham e, da mesma maneira, seguem adiante. Há sangue coalhado no chão. Algumas não têm tempo para contornar, menos ainda, parar. Simplesmente, passam por cima. São tantas, tão diversas, tantos destinos.
À medida que avança a noite, esvaziam o espaço das ruas. Retornam com o sol e acompanham sua trajetória no mesmo vaivém, no anonimato. Parece mecânico, de acordo com os horários do dia ou da noite, movimentam-se de igual modo: com maior ou menor intensidade.
Interessante, são as caras que contemplo. Apenas, ao acaso, percebo um corpo. Apenas naquelas situações a que me referi acima. São braços longos, pernas finas, espinha recurvada e o passo entrelaçado de traços. Coisas que fogem ao ritmo das coisas comuns. As caras estão mais à vista, avistam-se e expressam as sensações que a alma busca preservar. As dores, o tempo, as preocupações, as alegrias e outros marcadores do espírito desenham-se na cara de cada um, à revelia de seus desejos e/ou comandos.
Uma cara estampa um cartaz e este cartaz se multiplica nas esquinas, nos postes, nos lugares onde as pessoas sabem que outras vão passar. Alguém, parado, espia os outros, na cara: são todos transeuntes.

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