sábado, 6 de agosto de 2011

CAMINHADA

Um caminhar a esmo num caminho bem antigo naquelas horas da manhã, no dizer de Mário, um caminho que, de tão velho, já não se sabe aonde vai. Outro poeta retruca: “velhos caminhos não levam ninguém a novos lugares”. Os únicos passos que se conhecem são marcados naquele momento depois de longos e longos anos. Séculos, talvez. O certo é que a solidão do caminho e o seu abandono estão expostos ali, para quem quiser ver.

Mas isto, aos olhos de quem observa, pela primeira vez, a última vista por ali. Para o caminheiro, como diz o poeta, são os passos que fazem o caminho ou, dito de outro modo, por outro poeta, o caminho se faz ao caminhar. Mas também sobre isto ele não reflete, apenas caminha. Basta mirar sua rota e ir abrindo picada entre urzes e pedras que recobrem a trilha adormecida há não se sabe quanto tempo.

Os rastos o acompanham e trilham em dois a solidão dos destinos. A areia marcada já não lembra que obrigações ele tem com as pegadas que se enfileiram de longe. Certamente, o tempo saberá o que deve ser feito, e na ausência prolongada de outros caminhantes tomará a melhor decisão. Um dia de chuva com a água reconstituindo percursos e levadas outras pistas se constituirão por ali.

Nada disto importa a quem tomou para si a decisão de ir em frente sem fazer perguntas, sem refletir sobre coisa alguma ou sem qualquer dúvida sobre as bifurcações que o caminho oferece àquelas horas da manhã. Ainda é Mário quem norteia, ao dizer que se deve ir adiante, como quem foge de casa, como se estivessem abertos, diante de nós, todos os caminhos do mundo. Embora, neste caso, apenas um interesse. Afinal, só se consegue caminhar um caminho por vez. Talvez seja esta a orientação que não reconhece dúvidas e o faz caminhar resolutamente, como quem sabe que destino o aguarda, ou, pelo menos, espera encontrar.

As distâncias não contam; o tempo não conta, menos ainda as preferências. Se se há de caminhar, que se caminhe e pronto. Os destinos, estes todos os caminhos reservam os seus. Iguais, diferentes, conhecidos, desconhecidos, destinos são destinos. Esta é uma conclusão de quem observa, passa distante do caminhante que nem quer tomar conhecimento.

A sensação de caminhar se assemelha um tanto com que diz Orson Welles, a respeito do que lhe dá prazer num filme, ou seja, o processo enquanto o filme está sendo filmado, o filme constituindo-se, gerúndio. O percurso do que está pronto é outra história, são trilhados outros caminhos. O que está acabado, já não interessa tanto. Algumas vezes na vida nunca desejamos alcançar o destino, o ponto final. A observação gera muitas reflexões, o caminhar apenas abre trilhas, ou, por vezes, as confirma.

Ao longe, um pássaro entoa sua canção matinal. Parece sozinho, outros não respondem, apesar de sua insistência. Não se sabe se canção ou se choro, talvez um chororó. O certo é que solta seu som em meio ao mundo, sabe-se lá por qual motivo. As obras alternam-se com luminosidades laterais, matizando o caminho e adorna impacientemente o corpo do caminhante que se desloca como um trole sobre um trilho em dias de sol, rumo a algum lugar.

Olhos ao chão, pisada ritmada e demarcada, uma após a outra, uniformemente. Para trás, as pegadas vão se enfileirando, seguindo os passos, como de propósito. O sol enganchado no teto retém os ponteiros das horas, longamente. As divagações não marcam o céu limpo, quase sem nenhuma nuvem. Pontos de areia branca respingam as canelas e refulgem o lúmen como estrelas saltitantes. Mosquitos matinais rodopiam em torno da cabeça e se arremessam aos olhos como camicases, o que provoca um estapear estulto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário