Foto do autor
Olhar o vale do alto da
montanha ateia fogo na alma. A relva desenha um verdor que nos envolve por
inteiro. A teia estremece ao roçar do vento no afago da luz matinal e arranha o
nada com filetes de prata trançados. De dentro vem o calor que esquenta o dia e
anima as ideias. Fica-se um tempão sob a copa do Jatobá, à sombra.
Caminhos desenhados e mal
acabados oferecem múltiplos sentidos, e, a cada escolha, risos e guizos.
Engana-se quem pensa que caminhar por entre malícias, descendo ou subindo, é simples. Na
descida, lança-se o corpo sem grande esforço, mas a tensão é com os receios do
que possa vir dos arbustos que encobrem as trilhas. Subir, além dos medos,
tem-se que arrastar o peso do corpo por entre as árvores e suas raízes, as
pedras e os deslizes dos desvios e desvãos.
Mas gratifica tanto a
oportunidade de chegar ao cimo e olhar o vale sobre as copas das árvores mais
abaixo quanto, depois, chegar em casa com as paisagens na memória. Tudo é chama
que incendeia, tudo é motivo para ver novamente. Histórias vão se criando com a
experiência de abrir caminho ou de caminhar por trilhas já abertas e mesmo
assim cheias de surpresas.
O que antes parecia apenas
um delírio de infância se consolida de modo muito mais belo e agradável. A luz
tinge matizes no teto verde da floresta e recria cores e tons no solo de folhas
férteis. Os brotos escancham nos galhos e renovam-se como experimentos de vida.
Pássaros acompanham cantando e entoam cantos diversos na brincadeira de
aparecer e esconder, em voos repentinos. É só mais um motivo para desviar a
atenção do cansaço e esquecer o esforço da caminhada.
O rosto entre as mãos, os
cotovelos repousam nos joelhos dobrados. Aos poucos, a sensação de fome lembra
o estômago. Há tempo espera o instante de ser chamado; enquanto aguarda,
observa a estampa da toalha de mesa à sua frente com a atenção necessária para
esquecer o aborrecimento da espera. Depois, não é apenas o tempo arrastado de
esperar que incomoda, mas também a possibilidade de precisar ter que operar. De
vez em quando cai em si pela interferência da voz da atendente que chama por
alguém desconhecido, ainda não é a vez. Logo depois muda o olhar e volta a
acionar a imaginação por algum motivo ignorado.
A banda de música postada
no quiosque da praça executa um dobrado, não consegue identificar qual seria.
Logo depois da praça, enfileirados, dezenas de alunos ensaiam para a Parada de
7 de Setembro, o dia da Independência do Brasil. O sol escaldante lança-se
sobre a criançada enquanto eles seguem pisando no ritmo da bateria em marcha militar. A
sombra da torre da igreja matriz se projeta sobre as filas de alunos fardados e
só por alguns segundos aliviam-se do calor solar.
As crianças entoam hinos
patrióticos e esgoelam-se no afã de cumprir as determinações das professoras
que caminham ao lado, e, vez ou outra, intervêm para ajustar o passo marcado de
algum pirralho que desatina. Contornam a praça diversas vezes. Repetem os
exercícios de parar e seguir, à exaustão. Renovam os hinos e a marcha várias
vezes, sob o sol pegando fogo.
Um vento mais forte entra
pela janela e move a cortina com força, desfazendo o eixo do olhar preso à
imagem da estampa. A atendente chega mais perto e avisa que chegou o momento de
entrar para a consulta. Ainda dolente, observa a cara da atendente e não a
reconhece como parte de sua experiência recente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário