segunda-feira, 30 de agosto de 2010

APENAS UMA BOA RAZÃO


Uma bala disparada a esmo não escolhe alvo, tanto pode atingir uma criança no inesperado do tempo quanto o usuário de drogas que financia a arma que a dispara. O pavor da violência se detém na barreira da irracionalidade. Ninguém nunca explica quem, em última instância, financia o tráfico e suas ações violentas. Não houvesse consumo não haveria produção e muito menos distribuição. Pior ainda, se a droga custa caro, consome quem tem dinheiro. A chamada elite, apodrecida, ergue muros ao redor de si, instala câmeras em cada esquina, mas refugia-se nos guetos, nas orgias privadas, para consumir sua encomenda de primeira ordem. Não importa o quanto custe. Não interessa a que preço.
Rebeldes nem tão poderosos assim imitam alegremente a cena deprimente da fuga sem sentidos. Pó e fumaça alimentam almas assombradas, a caretice dos uniformes e paramentos ostenta a moral e o racionalismo, da boca para fora. É muito larga a zona fronteiriça em que se separam e intersectam-se as linhas de interesses opostos ou divergentes. Batinas, fraques, fardões, sobretudos, longos, togas e galões esbarram-se em corpos dopados nos sombrios sobrados dos negócios escusos.
Mundos diferentes, cores adversas, destinos invertidos estabelecem tréguas e firmam pactos de não agressão; por instantes, deleitam-se em seus motivos. Uns escancaram risos, limpam as narinas fedorentas, outros contam o apurado do dia e riem o riso incomum da insensatez.
Morrem jovens na guerra do tráfico. Morre a polícia de inanição. Morre a autoridade do Estado de estupefação. A droga adquire vida própria, mobiliza exércitos de traficantes, de todas as idades. A criança na lida do tráfico sinaliza sua perseverança, sua resistência. Mobiliza procissões de consumidores, como sonâmbulos que obedecem a uma ordem superior a que não conseguem resistir.
Ninguém nunca explica quem, em última instância, financia o tráfico e suas ações violentas. Como querer que os donos das armas abram mão do direito de continuar empunhando-as livremente? Como querer que o crime criativo, que a cada momento oferece uma droga nova, um produto mais atraente no mercado, desarme-se? A arma ostentada nos meios de comunicação a cada momento é um troféu que se exibe em vitória da irracionalidade sobre a vida.
O usuário de drogas coloca cada um de nós numa roleta russa, com o cano da arma apontado direto para a cabeça. Ninguém sabe ao certo a direção do próximo disparo. O traficante é uma invenção do consumidor de drogas. Sem consumo não há produção e muito menos circulação. Se não há procura, não há oferta.
Não há vencedores nessa história, apenas sobreviventes. E nada garante que seja por muito tempo. Quem ingressa no mundo do crime livra a cara enquanto pode, mas sabe que o pior gira em torno de si, cada vez mais próximo. Não teme a morte porque não dá valor à vida de ninguém nem mesmo a sua. São as regras de quem está no front, está de pé enquanto não é o alvo do adversário. Uma arma na mão dá a sensação de poder tudo. Este engodo alimenta a gana do fabricante de arma que não se vê na mira da trama que produz. Vive sob a miragem do lucro, não sabe e não quer saber o que é razão. Não entra em nenhum dos componentes do instrumento de morte que fabrica. Quem compra a arma reafirma os seus propósitos.
Ninguém nunca explica quem, em última instância, financia o tráfico e suas ações violentas.

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