sábado, 15 de agosto de 2009

LÁ NA RUA 24














    Antes de ir para a cama eu faço uma verificação na roupa que acabo de retirar, para ver se encontro algum cabelo feminino, alguma mancha de batom na blusa ou cheiro estranho de perfume. Constato que está tudo certo. Tomo os cuidados necessários para não acordar ninguém e vou dormir tranquilo.
   Mal me deito e sou acordado pela companheira, que me comunica sobre o adiantado da hora. Por mais que eu me faça de morto, ela insiste que me levante: ficamos de ver uma casa para alugar e a mãe dela já chegou há muito tempo. Vai conosco. Tudo bem, a sogra é uma pessoa legal. Mas o sono não quer me deixar sair da cama.
   Não tendo saída, levanto-me e vou cuidar de acordar debaixo do chuveiro. Em pouco tempo estou à mesa para o café. Procuro manter o bom humor, dizem que a culpa condena. Nada de cara feia ou reclamação. O dia até parece muito bonito. Observo que a esposa e a sogra estão bem produzidas. Brinco perguntando como ela conseguiu se arrumar daquele jeito, antes de mim. Ela sorri, sinal de que o tempo está bom.
  Quando entro no carro, as duas já estão devidamente acomodadas. Parecem crianças em dia de piquenique: felizes e rápidas nos detalhes, para sair. No percurso, conversam amenidades, falam de alguém que dizem ter sofrido um acidente e estar muito mal num hospital da cidade. Não falo nada. Me mantenho atento ao que está adiante e luto com os olhos querendo fechar.
  Sábado, dia de feira-livre no bairro. Muita gente nas ruas, principalmente, crianças. Dirijo com cuidado redobrado. Ainda mais que a rua é de mão dupla e o trânsito é intenso nos dois sentidos. Ligo o som do carro e ela pede para eu baixar um pouquinho para não atrapalhar a conversa das duas. Fazer o quê?
   Sem mais nem menos, um carro acha de fazer uma ultrapassagem e me tranca. Freio bruscamente. O susto é geral. A sogra, assustada vale-se de todos os santos e a esposa reage com um grito de horror, não o suficiente para abafar o ruído dos pneus arrastando no asfalto. Felizmente, não batemos. Não tenho ânimo nem para xingar o filho da mãe que me trancou daquele jeito.
  O carro estanca. Dou na chave e partimos devagarzinho, todos nós ainda pálidos. Percebo que alguma coisa está encostando em meus pés e atrapalhando manejo dos pedais. De princípio, imagino tratar-se alguma garrafa vazia, do vinho de ontem à noite. Mas não é, trata-se de um par de sapatos femininos. Um frio gelado me corre à espinha. Será que aquela maluca desceu descalça? Será que deixou justo os sapatos, dentro do carro?
   Rapidinho, tomo uma decisão: encosto o carro próximo a um terreno baldio, a pretexto de verificar se o pneu traseiro está baixo. Apanho os sapatos com a mão esquerda e os jogo para fora do carro à medida em que abro a porta. Desço e finjo conferir o pneu, entro no carro e vamos adiante. As duas não se dão conta de nada, estão ocupadas em comentar o risco que corremos e, por conta disto, todos os assuntos referentes a acidentes de carro: a irresponsabilidade de dirigir em alta velocidade ou sob efeito de bebidas alcoólicas.
   Ao chegarmos diante da casa em que estamos interessados, os responsáveis já estão lá com as chaves. Desço do carro e os cumprimento. Minha esposa desce em seguida e ficamos os dois conversando com os caras que nos entregam as chaves. Antes de entrarmos na casa, percebemos que a mãe dela não desce, peço a ela que vá verificar o que está havendo. As duas ficam dentro do carro e tenho que ir ver. A questão é que a minha sogra diz que não desce porque não está encontrado os seus sapatos.
    A minha dificuldade agora é convencer mãe e filha de que a minha sogra entrou no carro descalça. Nunca vi ninguém com tanta convicção. Mas, contra fatos não há argumento: os sapatos da minha sogra não andam sozinhos, não têm asas, não estão nos pés dela e nem dentro do carro.

3 comentários:

  1. Amigo Laerte, seja bem-vindo à Blogosfera que só tem a ganhar com seus conhecimentos do universo da comunicação.
    Mas... Kêde as imagesn? Logo você, profundo conhecedor da matéria!
    Té mais!!!

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  2. EITA, LALÁ! A GENTE VIAJA NO TEU TEXTO. LEGAL O BLOG. BJ E VIDA LONGA A ELE.

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  3. Laerte, sou suspeita! adoro o que você escreve! E lê-lo é sempre um prazer... Sabe aquele texto do retorno à universidade? mesmo não inédito, vale a pena postar aqui! é uma jóia preciosa! JÁ VI QUE VC POSTOU!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Detalhe: como morro de preguiça de "passear" por blogs, de vez em qdo, me lembre que há novidades! "sou muito folgada", não? Cheiros, MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

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