sábado, 6 de março de 2010

ONDE É MESMO O BEIJO?


Chego em casa, ligo o computador. Enquanto carregam os programas, vou cuidar de outras coisas: um banho para restaurar as energias, uma tal de falta de jeito com manuseio do fogão e o preparo de algo que possa ser considerado, de bom grado, uma refeição. Só para conferir, ligo a televisão. Fico de olho. Rapidinho, dou conta da minha última “arte culinária”.
Desligo a TV, imaginando religar quando estiver mais próximo o horário do jornal. Ligo o som e vou para o computador. Acesso a Internet, para variar. O dia quase que completo – no ambiente de trabalho, fiquei conectado. É o costume. Ao abrir minha caixa de e-mail, vejo a mensagem de uma amiga que finaliza com uma pergunta: Onde é mesmo o beijo?
Rio com gosto, uma provocação. Sei bem como é. Mas embarco na história e fico imaginando como responder do modo como a pergunta permite. Ora, onde?! Bom, bem poderia eu tratar do assunto, imaginando uma referência que deslocasse o sentido que primeiro acorre nestes casos: uma parte qualquer do corpo. Ou, pelo menos, considerasse a possibilidade de pensar numa outra topologia, uma casa, uma praia, um sítio etc.
É claro que também assim eu poderia conduzir o sentido para um efeito de contato, para um clima de envolvimento. O que me excita, nesse caso, é a possibilidade de conduzir o entendimento na fronteira de ambivalências que a pergunta permite.
A seguir, me dou conta de quantas formas de beijar existem, quantos ritos sociais incluem o ato de beijar como parte constituinte. Beijar a testa com certo disfarce do que queima por dentro, com certo pudor ou desvelo. Beijar a mão, com alguma insinuação; beija-se mais com o olhar que com os lábios que mal tocam a pele. Ainda, beijar a mão com respeito e reverência. Beijar o rosto, beijo em que o olfato aguça o gosto: beijo onde vários sentidos se mesclam.
Recentemente, falei sobre beijo neste espaço, inclusive, citando Edgar Morin. Não vou mais me referir ao mesmo ponto de vista. Desejo apenas ir-me deixando levar pelo tecido dos sentidos, que uma pergunta enreda. Ou, talvez, não seja bem a pergunta, quem sabe são outras motivações: a pessoa que pergunta, a malícia que a pergunta suscita, as ilações que faço, o imaginário que construo, por puro prazer, enfim, os contextos das relações em um e outro.
Por fim, penso em diferenças que existem nestes ritos e nos atos mesmo de beijar. Em certa idade, ou em certa época, muito se falou de beijo roubado, aquele em que a mocinha é beijada sem sua permissão, mas, segundo reza a lenda, com grande prazer. Hoje, com esta história de politicamente correto, este tipo de beijo está fora de cogitação. O cinema consagrou o beijo na boca, como cena final e apoteótica de uma relação a dois, num quadro de romantismo exacerbado. As novelas atuais ainda cultuam ou cultivam um pouco este sentido, só que a celebração do casamento tem maior peso de significação. O beijo, aquele do cinema, é quase que banalizado, além de ter adquirido certo tom de vulgaridade na maior parte das vezes.
Ainda envolto no clima da pergunta e nas tais diferenças, percebo como o beijo, em certas circunstâncias, pode conter sentidos de um ato solitário. Mesmo considerando que quem beija deve, presumivelmente, beijar outro alguém. Mesmo que esta outra pessoa seja a si própria. Se tivesse que escolher, eu certamente escolheria um beijo compartilhado, daqueles em que não se pode dizer, com certeza, quem está beijando quem, simplesmente, se beijam. O beijo, assim, parece uma oração que a boca apenas usa para exprimir ou expressar o que vai pelo espírito, pelo coração, pelo corpo inteiro.

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