domingo, 18 de abril de 2010

A MULHER DO PESCOÇO COISADO


O sim das coisas é o não.
E o não é sem coisa.
Portanto, coisa e não
são a mesma coisa,
ou o mesmo não.
Carlos Drummond de Andrade





Uma mulher belíssima, jovem, risonha e misteriosa. Principalmente, misteriosa. Ninguém, que se saiba, conseguiu ver-lhe o pescoço. Esconde-o com seus belos cabelos cacheados ou, senão, com uma gola, um xale, com algo que o envolva, privando, assim, os olhares curiosos de ver-lhe um pedacinho sequer. Não é necessário conhecê-la bem para saber destas coisas: basta ter com ela e prestar-lhe atenção. Em certas ocasiões em que, por um pequeno descuido, deixou a descoberto um detalhe do pescoço, o que se viu foi, simplesmente, nada. Parece que seu pescoço é um vácuo, uma falta, como se sua cabeça se sustentasse no vazio, numa transparência. Claro que quem diz que viu semelhante coisa acaba ficando por mentiroso ou mentirosa, porque ninguém acredita nisto. O certo mesmo é que ela mantém, elegantemente, o pescoço encoberto, sempre.
Como não se sabe o que pode haver com o pescoço dela, diz-se que ela tem o pescoço coisado. Bom, não dá para saber se coisado aí tem a ver com uma qualidade do pescoço  bonito, comprido, cheiroso  ou com um estado  retorcido, assinalado, alongado etc. Coisado, neste caso, significa algo que não se define: alguma coisa sobre a qual não se encontra palavra para esclarecer. Não adianta ficar especulando, como é que se vai explicar algo de que não se tem a menor ideia.
Contam que, quando alguém pergunta a ela sobre este assunto, ela se põe a rir, um riso gostoso, bonito  sim, porque seu riso é lindo , como se zombasse da curiosidade e dos curiosos. Seu namorado não quer nem ouvir falar no assunto, qualquer menção a isto e ele logo faz de conta que não está escutando e desconversa. Faz-se de desentendido. Mesmo os amigos mais próximos ou, pior ainda, seus familiares morrem de curiosidade sem que ele dê a mínima atenção.
Por conta destes mistérios, surgem muitas histórias, cada uma mais estranha que a outra. Desde que ela tem uma cicatriz muito feia, resultado de um quase enforcamento quando ainda era criança e por pouco não foi decepada por uma linha com cerol; até a existência de um sinal peludo, horroroso e malcheiroso. E por aí se vão as histórias todas. Ela conhece cada uma e se diverte quando alguém pede que confirme alguma. Ri como se gostasse, como se curtisse os mistérios que alimenta acerca de seu pescoço coisado.
A versão que mais a agrada é a de que seu pescoço é tão lindo e perfumado que, simplesmente, nenhum homem o resistiria. Deste modo, ela o esconde, para não atrair sobre si os desejos dos homens todos que transitam por onde têm que circular diariamente. A tal mulher é professora e, além de lidar o dia inteiro com turmas de alunos, está sempre cercada por seus colegas professores. Mas apesar da curiosidade e das maledicências, ninguém ousa molestá-la. É muito respeitada por todos. Uma brincadeirinha aqui, outra ali, mas nada de atrevimentos.
Do corpo bem delineado à cabeça brilhante e privilegiada, um espaço inexplicável em que se perdem suspiros e se desorientam desejos. Um lugar que une e separa, ao mesmo tempo, coisas impensáveis e, do mesmo modo, indizíveis. Um pescoço feminino envolto em segredos: mistérios que sustentam fantasias e que, certamente, jamais serão esclarecidos.

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