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Há momentos em que histórias gravitam no espaço em que se vive. Parece que são épocas em que as antenas estão melhor conectadas com o entorno, na ânsia de aprender e apreender todos os movimentos e informações.
Pela manhã, desperta-se com o canto agudo da graúna, que, presumivelmente, projeta seu cantar do alto do maior coqueiro do quintal. O dia ainda é sombra e os cheiros da luz do amanhecer timidamente esgueiram-se nas telhas. Ao canto da graúna vêm-se somar outros alaridos: galinhas, perus, capotes, bem-te-vis, rouxinóis, sanhaços etc. Dentre os aromas do amanhecer, o do café é o mais forte e irresistível.
O cuscuz fumegante imerso no café com leite anima as primeiras histórias do dia. Diz que Ana Benta, garotinha de 8 a 10 anos saiu para pegar guabiraba e perdeu-se no capoeiral ouve-se na cozinha. Há dias, já não acreditam que ainda esteja viva. Comentam que encontraram suas roupas debaixo de um pé de pau-ferro. Mais nada. Os pais aflitos não perdem a esperança e continuam a procurá-la.
Cavalo de talo, sombra das mangueiras, o dia aquieta-se. Diz que há um cachorro louco solto nas redondezas, melhor voltar para casa. Diz que já mordeu muitos meninos que não souberam dar conta dos riscos e aproximaram-se demais. Primeiro morde os outros cachorros e depois o que encontrar pela frente. Melhor voltar para casa. De esquecido o tempo, esquece-se o assunto. À sombra da mangueira, a areia fresquinha e branca acaricia o corpo e fertiliza a imaginação.
Gritam que é hora do almoço. Fica-se mais um pouco e outros gritos ecoam até que alguém vem esbaforido e com ameaças. Se não for almoçar agora fica sem comer. Vai-se assim, em desembalada carreira. A cozinha mais parece uma feira. Gente de todo lugar. Uns comem em volta da mesa, outros sentados ao chão. Alguns ainda de pé experimentam a comida. Os mais velhos ralham: tem que comer direito, e respeitar a mesa. Deus está na mesa. Comer sem sossegar dá indigestão. Diz que seu Manuel teve uma congestão porque se aperreou na hora do almoço. Foi-se desta, não teve como salvar-se. Seu Manuel, aquele que contava histórias. Diz que esteve no Amazonas e foi encantado por uma cobra. Era seringueiro experimentado, mas neste dia ficou andando em círculos, atraído pelo feitiço da cobra. Só escapou porque se apegou à imagem de Nossa Senhora e rezou forte. Foi por pouquinho que a cobra não o engoliu.
Tem horas do dia que o sol esquenta até a sombra da mangueira, melhor ficar como todo mundo, espiando o nascente, sentado no alpendre, sem perceber nada. Só os que pitam cachimbo esmorecem naquele espiar agudo, o sol sobre a areia e a salsa a perder de vista. O caminho estreito, como se esperasse por quem não ficou de vir. Sonolência danada.
Diz que nestas horas os caiporas descasam debaixo das moitas e não toleram que ninguém atrapalhe seu descanso. Deve ser por isto que todos se ensombreiam no alpendre, sem se mexer nem dar um pio. Só o olhar alongado que silencia no avistar sem fim.
A tarde corre ligeiro, e depressinha já anoitece. O sol descamba feito doido até se pôr por trás da casa. Diz que de manhã até meio dia quem conduz o sol é um senhor de idade, com muito cuidado e responsabilidade. É por isto que as horas se arrastam e as manhãs são longas. Do meio dia para a noite, é um garoto peralta que desanda a brincar, a correr e rapidinho chega ao seu destino.
À noite caminham sacis, estrelas cambiam e vozes e silêncios enchem o mundo de histórias. Diz que, ao se adormecer, outras tantas povoam também os sonhos. O Coaxar do sapo, o pio da coruja, o piscar do vaga-lume carecem de imaginação para encenar as suas.
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