domingo, 6 de junho de 2010

ENTRETANTOS


Entre! Eu esperava ouvir esta palavra como um convite, mas a entonação pareceu-me uma ordem. Olhei em volta e não encontrei apoio para levar adiante o intento de penetrar. Girei sobre os calcanhares e fui me afastando. Não houve protesto ou insistência, ficou só aquela palavra “entre” repetindo-se como um eco que se intensifica. Caminhei lento e pensativo em direção à minha casa, entretanto, tinha a sensação de estar entrando em um lugar para onde não havia sido convidado. Não ouvia mais nada a não ser aquela palavra que ia mudando de entonação e de sentido; entretido, dei por mim parado diante da porta entreaberta. Embora estranhasse estar ali, não me incomodava perceber que não havia saído do lugar. Surpreendia-me que não houvesse alguém à porta que me convidasse a entrar. Entrementes, sentia-me impelido a dar meia volta e retirar-me dali. A porta, que noutras ocasiões poderia ser um acesso, parecia-me um entrave, não sei exatamente a razão. O certo que é me afastei caminhando, devagar. Entristecia-me por alguma coisa, o mais provável é que eu esperasse ser convidado a entrar e, embora tendo ouvido alguém pronunciar a palavra, o sentido não era o esperado. Provavelmente, era este o motivo. Não admitia ser tratado daquele modo, não havia motivo.
O espaço retalhado das ruas entremeava-se de silêncios sólidos, entraves sem consequências para o caminhar cuidadoso, absorto em meditar sobre o eco recalcitrante da palavra “entre”. Entre automóveis em brasa, segui para casa. Uma fila diante do cinema chamou a atenção para uma comédia que tinha como título “Between”; lembrei de uma anedota boba a este respeito. Sorri, entretido.
Atravessei por entre as alamedas e praças sem pensar noutra coisa, não me absorvia a ponto de descuidar do trânsito ou de desguiar do destino, apenas não conseguia desviar o pensamento e questionava-me sobre os sentidos que uma palavra como aquela pode produzir, se dita de um ou outro modo, num ou noutro tempo e/ou lugar. Entretanto, nada concluía em definitivo. A cada momento todos os sentidos se embaralhavam e repercutia apenas a palavra “entre”. Em meio ao redemoinho de sentimentos e sensações que daí derivam, sentia-me, paradoxalmente, confortável.
Já quase alcançava a esquina da rua de casa quando ouvi, nitidamente, a voz de uma pessoa conhecida, embora, de momento, não reconhecesse quem fosse, a me interrogar, com ironia: “você veio?!”. Parei, senti um frio na espinha, ergui a cabeça e percebi a porta entreaberta à minha frente, sem ninguém à vista. Estava eu lá, no mesmo lugar. Esperei um pouco e ouvi a ordem: “entre!”. Perguntei-me se estaria andando em círculo ou se, em algum momento, houvera saído dali. Permaneci em pé, parado, por um bom tempo. A dúvida era se adiantaria afastar-me, se depois eu constatasse que continuava no mesmo ponto. Entre ir e ficar, fiquei. Pensei: algum momento isto tem paradeiro.
Amanhecia, eu continuava em pé, diante da porta. Ninguém entrava ou saía. Uma leve garoa umedecia a manhã, como prenúncio de chuva. O tempo fechado rondava-me. Girei o corpo, sem sair do lugar, olhei em torno e não percebi nada de estranho. Pessoas agasalhadas se entrecruzavam em busca de seus destinos. Ia aos poucos aumentando o número de transeuntes e ninguém dava conta de mim.
Ao longe, soa uma campainha. O som repetido vai se aproximando até incomodar. Dou por mim caminhando em direção à porta, giro a chave com dificuldade. Abro um pouco, é a faxineira, “hoje é sexta-feira”, diz ela sorrindo para mim. Sem entender mais nada, abro mais a porta e, quase mecanicamente, peço-lhe que entre.

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