Desliga a luz, hora de
tentar dormir. O corpo se espreguiça na cama fria e o lençol cheirando a
amaciante promete agradável noite de sono. Mas o dia passado espelha a alma com
os seus senões. A promessa de emprego frustrada, o sol abrasador queimando a
pele nas idas e vindas inúteis, a bronca suportada, a comida com cheiro de
queimado, a angústia de ter de silenciar para não desagradar a família que, de
algum modo, o acolhe...
Vira para um lado, mantém
os olhos fechados. Vira para o outro, ainda de olhos fechados. Não consegue
adormecer. Ergue-se e vai à geladeira para tomar um copo d’água. Não tem sede,
é apenas um pretexto para levantar-se e caminhar pela casa. Teme que alguém
acorde ou que o descubra abrindo a geladeira e imagine que está aproveitando o
escuro da noite alta para fazer uma boquinha. Mas vai adiante.
Ouve um murmúrio vindo do
quarto de casal. Resolve bisbilhotar. Pisa macio, tomando cuidado para não
topar em nada e vai à busca de ouvir o que conversam. À medida que se aproxima,
o tom da conversa torna-se melhor audível e, aos poucos, vai pescando algumas
palavras. Estranha que a luz não esteja acesa, o quarto todo escuro, mas mesmo
assim põe-se a uma distância que dê para ouvir sem se arriscar muito.
Apenas uma voz feminina
não encontra resposta de outra, parece que fala sozinha. Sabe que algumas
pessoas têm o costume de falar enquanto dormem, até aquele momento nunca
percebera que alguém naquela casa tivesse tal hábito. Apesar de não soar baixo,
a voz parece cheia de línguas, não dá para ouvir muito bem tudo o que é dito.
Somente alguns trechos e, em alguns instantes, palavras soltas em meio a
grunhidos.
Entre muitas coisas
ouvidas, sem muita clareza, a mulher conta que na casa de fazenda, que fica no
baixio, guardam uma mala que foi encontrada na estrada. A mala, diz, está cheia
de dinheiro em
cédulas graúdas. Nunca apareceu ninguém para reclamar a
posse. Diz que dona Sara, uma lavadeira que trabalha por lá também, foi quem
contou tal história numa festa de casamento, para todo mundo ouvir.
Por uma nesguinha só da
fresta da porta entreaberta, ele percebe que a pessoa que fala se movimenta
como se fosse levantar da cama. Depressa, ele retorna ao quarto e, por
descuido, esbarra numa cadeira que faz um barulho razoável. Deita-se e põe-se a
pensar naquela história. Ouve passos dentro de casa, finge ressonar. A pessoa
chega-se e fica próxima à porta do quarto, como se o observasse. Não se move. Dali
a instantes, a pessoa se afasta, na mesma pisada.
Ele vai juntando as
palavras e lembrando que já ouvira tal história, mas nunca nada a respeito do
conteúdo da mala, por isso não deu importância. Agora, com a informação de que
a mala guarda tanto dinheiro, a coisa muda de figura, principalmente, porque
ninguém ainda apareceu para recamá-la. A ideia de se apresentar como dono da
mala vai ganhando força em
sua mente. Talvez aquela seja a oportunidade de conseguir
reparar muitas coisas que andam mal em sua vida.
Uma voz distante chama
galinhas enquanto joga milho no terreiro, ele estranha que os caroços de milho
brilhem ao sol feito ouro. Ele se aproxima e verifica que, de fato, é ouro em
pequenos caroços que a pessoa joga para as galinhas. Ele fica aborrecido com
aquilo e resolve partir para cima e tomar-lhe a vasilha donde tira os caroços
que arremessa ao terreiro. Dá um grito bravo.
Acorda assustado e
continua ouvindo o som peculiar de alguém que chama as galinhas para alimentar.
Ergue-se da cama um tanto destreinado, se espreguiça, enquanto boceja e emite
um berro de raiva e decepção. Imediatamente, a história que ouvira à noite lhe
vem à mente. Senta-se de novo na cama e, desta vez, para elaborar um plano com
o objetivo ir buscar a mala.
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